Afirmou certa vez o grande poeta Mário Quintana que “os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem”. Sem dúvida, o desinteresse pela leitura é um problema que explica, em grande medida, o elevado nível de tolice, desinformação, ingenuidade, estupidez, obscurantismo e ausência de criticidade de considerável parcela da nossa população. Portanto, não podemos deixar de denunciar uma vergonhosa tragédia nacional: a condição de milhões de leitores que, apesar de saberem ler e escrever, possuem dificuldades na aplicação da leitura e da escrita de forma competente e plena.
Sabemos que um analfabeto funcional pode entender palavras isoladas e frases simplórias em determinados contextos, mas apresenta sérias dificuldades para interpretar textos mais complexos e realizar cálculos matemáticos de razoável resolução. Nessa perspectiva, foi realizado recentemente um estudo, coordenado pela “Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social”, com apoio da Fundação Itaú, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF. Assim, com o objetivo de mapear habilidades de leitura, escrita e matemática dos brasileiros, foram ouvidas 2.554 pessoas de 15 a 64 anos, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, em todas as regiões do país. O levantamento constatou que 29% da população brasileira entre 15 e 64 anos pode ser considerada analfabeta funcional.
Diante dessa realidade, devemos destacar que o analfabetismo funcional limita o acesso ao mercado de trabalho, reduz a capacidade de empreender, prejudica o acesso a bens culturais, impede o desenvolvimento da consciência crítica, submete milhões de pessoas às ações de disseminação de mentiras nas redes sociais, subordina o analfabeto funcional à interpretação de terceiros, tais como líderes religiosos mal intencionados e políticos demagogos, bem como compromete a participação consciente das pessoas no exercício democrático de eleger seus representantes por meio do direito ao voto.
Como ajudar milhões de pessoas que demonstram ter a incapacidade de empregar as habilidades de decodificação do texto escrito para compreender e interagir com o mundo? Certamente, as consequências do analfabetismo funcional são graves, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Todavia, quais são as soluções para esse grave problema? Devemos começar com a defesa de uma educação de qualidade e com a implantação de políticas públicas de incentivo à leitura, desde a educação infantil até o ensino de nível superior (sem esquecer a inclusão das famílias no processo educativo).
Para começar, o poder público deveria oferecer programas de formação continuada voltados para aprimorar as habilidades de leitura, escrita e matemática de jovens e adultos. Além disso, é inadiável a tarefa de valorização e reconhecimento do trabalho docente. É urgentíssima a realização de investimentos voltados para a formação de professores, com aumento salarial e melhoria das condições de trabalho. A oferta de infraestrutura adequada nas escolas e a garantia de acesso a materiais didáticos de qualidade são também imprescindíveis para a reversão do atual quadro de penúria e descaso com a educação básica em quase todas as unidades da federação do nosso país.
Finalmente, devemos refletir sobre o aforisma do memorável poeta, ensaísta, dramaturgo, historiador e filósofo iluminista francês Voltaire, segundo o qual “a leitura engrandece a alma” (desde que o leitor tenha capacidade para entender o que leu). Infelizmente, não poucos no Brasil os que parecem sentir orgulho da sua própria ignorância e incapacidade de interpretação. Dizem que ganham muito dinheiro, mesmo sem ter que estudar ou realizar esforços de pesquisa. Para tais pessoas o aprendizado e a construção de conhecimentos devem ser desvalorizados. Pois bem, diante da futilidade e da pequenez dessas atitudes recorro ao mesmo Voltaire para lhes oferecer uma resposta sensata: “os infinitamente pequenos têm um orgulho infinitamente grande”.
Antonio Artequilino da Silva Neto
Doutor em Linguística, mestre em Educação, historiador, professor e escritor youtuber – Criador de conteúdo no canal “Pensar com Arte – quilino”