De Emília a Reborn, caminha a humanidade

Por Marly Camargo
Cadeira nº 6 – Patrono: Mário Quintana

O grande assunto de 2025 é essa febre das bonecas reborn, que divide opiniões e gera certa polêmica sobre o comportamento de quem as coleciona ou leva para passear, tal qual um bebê humano. “Com tanta criança por aí, precisando de amor, por que não adotar?” Este é um comentário frequente de quem observa cenas assim. Pela minha própria profissão, sou levada a uma análise de que reborns, antes de tudo, são bonecas. O que Monteiro Lobato, criador de uma “boneca-gente”, diria disso? Emília morou no imaginário de muitas crianças, por ser feita de pano, mas possuir alma, interagir e até provocar confusões, querendo – e conseguindo – ser sempre o centro das atenções. Reborns não conseguem essa proeza, além de serem um “brinquedo não brinquedo”, consumido por um público-alvo adulto.  Eu me pergunto o que leva uma pessoa a desejar tanto esses pseudo-bebês? Há alguns dias, conversando sobre isso com uma parente cinéfila, esta se lembrou de um filme de ficção científica, dirigido por Stanley Kubrick e lançado em 1972, que já explorava esses objetos, muito antes da onda reborn de agora. Em “É proibido procriar” – disponível no YouTube – a Terra está superpovoada e o Governo havia proibido expressamente que os casais tivessem filhos biológicos. Contudo, os que desejassem ser pais, podiam adquirir bebês ou crianças-robôs, os “filhos artificiais”, que inclusive choravam e falavam. Ficção científica… e, 53 anos depois, nos deparamos com essa realidade? Particularmente, eu me entristeço, pois é como se as pessoas estivessem perdendo a fé da própria humanidade. Como se aquele momento único e maravilhoso de ouvir um bebê dizer “mamãe” pela primeira vez, de notar o rompimento do primeiro dentinho, ou da aflição – real – de sair correndo no meio da noite, quando um primeiro filho ou filha tem febre alta, não valessem mais nada. Não vou me estender muito, pois a opção de adotar um reborn certamente é movida por motivos que merecem ser respeitados.

Sinto muita saudade quando me lembro das minhas bonecas da infância, tão especiais! Se falassem como a Emília, teriam muitas experiências para contar sobre a Marly Terezinha. Uma delas era de porcelana, com lindos olhos azuis. Foi presente de uma tia amada, fato que fez dela uma relíquia e criou um vínculo de amor que me prendia a ele. Outra que me vem à mente era um bebê – não um reborn – gordo e que eu adorava ter nos braços, pois preenchia meu colo de um jeito muito aconchegante. Bonecas que eram apenas bonecas, mas me provam que eu tive infância, e me fizeram a mãe, avó, professora, tia, enfim, a mulher que sou hoje. Com as coisas em seus devidos lugares, parece que conseguimos olhar para a vida de maneira mais equilibrada. A propósito do assunto, sabiam que as bonecas não foram inventadas com a intenção de ser brinquedo? Na Grécia Antiga, elas faziam parte de rituais realizados antes do casamento. A noiva oferecia suas bonecas à deusa Ártemis, na esperança de ter filhos. Bonecas eram símbolo da fertilidade feminina. Mudou alguma coisa?

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