MARLY CAMARGO
Cadeira nº 6 – Patrono: Mário Quintana
Um coração seresteiro só pode ser ‘parado’ em um horário propício para serestas, ou seja, à noite.
Aos que partem, uma constelação os recebe e ilumina o caminho rumo à nova morada; aos que ficam, restam os versos de José Maria de Abreu e Francisco Mattoso: “Quando a noite descer/insinuando um triste adeus/olhando nos olhos teus/hei de beijando teus dedos dizer./ Boa noite, amor/meu grande amor…”
E foi ao cair da noite de 7 de agosto que os sanjoanenses, principalmente os do meio musical, vivenciaram a letra desta antiga canção, ao serem surpreendidos com a notícia de que dona Ica Assad — uma seresteira apaixonante — havia partido para a eternidade.
Apesar de mãe e, também, minha irmã, musicistas, não convivi com a matriarca da família Assad, porém, minha saudosa mãe, profª. dona Ditinha, comentava sempre sobre a virtuose e o dom artístico de dona Ica. Frequentei também os festivais e eventos em que ela participou, de modo que é impossível não reverenciá-la neste momento ou ficar incólume diante de seu talento e meiguice.
Angelina Maria de Oliveira Assad, funcionária da Fiatece e seresteira por paixão, em um passeio pela Praça da Catedral — costume de antigamente — cruzou seu olhar com o de Jorge Assad, bandolinista, músico e… relojoeiro.
Nesse compasso, vieram os bailes, em um clube que havia próximo ao Museu Histórico e Pedagógico e, de hora em hora, as pulsações da vida, misturadas ao metrônomo dos anos, trouxeram o Cito, o Sérgio, o Odair e a Badi, para completar essa composição e dividir com o casal o lar e os palcos.
Conhecidos internacionalmente, os irmãos Assad — agora com sua prole seguindo na mesma cadência — não se deixaram influenciar pela fama – pelo contrário, conservam-se simples e humildes, seguindo os valores transmitidos pelos pais.
Em praticamente todos os shows que eles faziam em São João, dona Ica era chamada em algum momento, para entoar relíquias do cancioneiro nacional — como ‘Nunca’, ‘Chuvas de Verão’, ‘Linda Flor’ e tantas outras — que deixavam a plateia emudecida — como quem ouve um rouxinol — e encantada com o imenso carisma que habitava uma mulher fisicamente tão pequenina.
Assim era dona Ica, segundo me contavam — simples e cativante com todos. Não importava se era um velho amigo ou alguém que acabara de conhecer, se uma personalidade ilustre ou um funcionário subalterno: o carinho e a cortesia eram dispensados igualmente.
Comunicativa, doce, muito alegre… características que, mesmo de longe, percebo que ela possuía, viveu 94 anos e deixou, não só descendentes talentosos, mas um legado como pessoa, pois foi, é e será exemplo para muitas gerações de músicos da cidade e até do exterior — onde moram seus filhos e onde sua existência também é conhecida.
Eu agradeço a ela por tantos momentos agradáveis que passei, assistindo aos shows no Theatro. Desejo-lhe uma boa viagem e um feliz reencontro com o sr. Jorge e o Cito.
E “na carícia de um beijo/que ficou no desejo”, digo-lhe “Boa noite, meu grande amor”.