Por Mariana Mendes De Luca | @marianamdeluca
Recebi uma mensagem que dizia “dê uma olhada nessa lista e, caso queira algum, me avise que posso pedir para você”. Nela continha nomes de vinhos argentinos clássicos e premiados, podendo, inclusive, em algumas opções, escolher a casta e o ano da safra. Mas o que me chamou a atenção foi o lado direito dessa lista, em que o valor de alguns chegava a 40% do valor praticado no mercado nacional. E assim eu fui apresentada ao que no mundo do vinho chamamos de “contatinho”.
O “contatinho” nada mais é que um conhecido que tem um conhecido que trabalha próximo à fronteira e lá tem outro conhecido que manda vinhos por meio de um conhecido por valores menores.
Ufa! São tantos conhecidos que me pergunto se isso não poderia ser chamado de contrabando. Mas não é! Esse é o caminho do descaminho.
E descaminho não é contrabando, pois contrabando é quando você entra no país com algo ilícito, e descaminho é quando você traz algo que pode ser comercializado no país, porém, o desvia de pagar impostos.
Sabe aquele vinho que toda hora aparece no churrasco da sua família ou em qualquer outra ocasião informal que estaria totalmente apropriada a um rótulo menos complexo? Agora desconfie! Principalmente se ele foi levado por quem jamais pagaria o preço que ele é comercializado no país, pois ele pode ter chegado ali, de forma ilegal.
Essa entrada ilegal de vinhos no Brasil ganhou força em meados de 2020 devido à crise econômica na Argentina e às distorções na taxa de câmbio do peso argentino. Isso permitiu que fossem comprados no Brasil rótulos do país vizinho a preços menores do que os praticados por importadoras legais.
Após esse aumento, algumas importadoras começaram a alterar o selo que encontramos no contrarrótulo para dificultar sua imitação e provar ao consumidor que aquele era um vinho livre de descaminho e falsificação. Isso mesmo, falsificação!
O que acontece é que, com a grande procura pelos vinhos de descaminho e com as dificuldades encontradas pelos responsáveis, surge a alternativa de falsificação e alteração de vinhos, tentando, assim, criar uma similaridade com a bebida original. Fato, este, responsável por alguns casos de intoxicação já registrados no Brasil.
Ainda assim, se o seu “contatinho” for quente (porque confiável seria um adjetivo irônico de se usar aqui!), o vinho pode ser o original, mas não se alegre, pois as condições de transporte dele podem sim ter alterado suas propriedades. Situações como excesso de calor e muito tempo armazenado em condições precárias podem alterar a complexidade dele.
E nesse universo, se engana quem pensa que os únicos frutos do descaminho são os vinhos do nosso vizinho, temos que ficar atentos aos que também atravessaram o Atlântico, por exemplo.
Nesta semana, aconteceu a Operação Bordeaux, em um restaurante premiado, na capital paulista, e que teve 352 garrafas apreendidas pela Receita Federal, por serem estes rótulos, suspeitos de entrarem no País por meio do descaminho. Fato, este, que ocasionou o cancelamento de um jantar para 17 pessoas no valor R$ 14.990 + 15% de taxa de serviço por pessoa, pois seriam servidos vinhos da região francesa que nomeou a operação.
O impacto do descaminho prejudica os importadores e os produtores de vinho, que veem seus rótulos sendo esquecidos em prateleiras e comparados aos valores dos queridinhos da lista dos “contatinhos”.
Para driblar essa prática, e não ser enganado, procure sempre pelo selo da importadora no contrarrótulo, identifique se as informações dos vinhos estão escritas no idioma local, busque lojas de sua confiança e desconfie de grandes ofertas, pois como eu sempre falo, no mundo do vinho, ninguém faz milagres.
Um brinde aos clássicos que, por serem tão adorados, nos colocam à prova do descaminho… e até A Próxima Taça!