Invernada e Cocho

No banco de trás da Belina, eu olhava atentamente as luzes do Parque  Ibirapuera passando pela Avenida Washington Luís do meu lado esquerdo,  era umas 20h30, íamos para rodoviária na Estação da Luz. Estava fazendo minha primeira viagem interestadual junto ao meu pai. Íamos pegar o ónibus leito da Reunidas as 21h30 em direção a Três Lagoas MS. Sem dúvida, uma grande realização para mim!

Três Lagoas, em meados de 1977, era apenas uma cidade do interior, com muitas ruas de terra/areia.  Descíamos as 06h00 do ônibus e pegávamos um Jeep Ford que ficava guardado no posto.  Meu pai providenciava compras de mantimentos e coisas para fazenda. No final do dia,  passávamos no Jaruche, um Árabe que vendia esfihas de escarola que chamávamos na brincadeira de esfiha de brachiaria. Depois de “calçar” o estomago, nos preparávamos para pegar 130 km de estrada de chão. Durante o percurso, via-se diversas fazendas de pecuária sendo abertas, muitos tratores (inclusive da CBT- Companhia Brasileira de Tratores) desmatando o cerrado, alguns com projetos da CAIC –  Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização que depois se transformou em CODASP- Companhia de Desenvolvimento Agrário de São Paulo (década 70 com federação e estado forte ajudando no desenvolvimento do pais). Predominavam fazendas com extensas invernadas, ainda com as leiras recém queimadas.

Com linhas de financiamento a juros negativos, Banco do Brasil forte e ágil e a recente construção da capital em Brasília, o Centro-Oeste explodia de desenvolvimento e crescimento. As terras baratas, a vastidão do horizonte mato-grossense e as belezas naturais de Goiás, atraiam sulistas e paulistas para formação de grandes fazendas, especialmente de pecuária e soja. As Brachiarias, especialmente a decumbes, vinha como receita para formação de pastagens perenes no solo arenoso que predominava a região. Esse era o panorama da época na pecuária brasileira. Iniciavam-se os cruzamentos industriais com a colocação de touros europeus em cima da vacada Nelore, enquanto apareciam as primeiras inseminações artificiais.

Através da fazenda Gema, de Italianos amigos e vizinhos do meu pai, começaram a implantar a raça Marchigiana e Chianina. O gado era tratado em invernadas enormes e rotacionado quando esgotava toda a gramínea, recebia uma suplementação de sal mineral no cocho e duas doses de vitaminas ADE em conjunto com a vacinação bianual de febre aftosa e protocolo de vermifugação.

Na mesma proporção que Três Lagoas cresceu e virou um potência mundial de celulose e terceira principal cidade do Mato Grosso do Sul, o Brasil modernizou sua pecuária e a tornou a mais poderosa do mundo. Hoje o gado come suplementação no cocho, tem rotação de pastagem em métodos mais rápidos e modernos, recebe dieta balanceada e muitos nem pastam mais, são confinados e ganham peso numa rapidez que encurtou em três vezes o tempo de abate. O pecuarista desbravou o Centro-Oeste e abriu o agronegócio Brasileiro.

Hoje, a pecuária está embarcando no avião, no navio, no trem, na rodovia… os cavalos estão dando lugar aos quadriciclos e helicópteros, o pasto à ração, as pastagens à soja, o contador manual à microchips, os peões pelos agroboys, o mapeamento por drones, a monta natural pela IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo), o Milionário e José Rico pela Ana Castela e assim… tudo vai mudando.  A única coisa que não mudou foi o animal!!! Ele melhorou absurdamente em genética mas ainda é um herbívoro ruminante. Os recordes de produção de carne e o crescente aumento das exportações são conquistas de uma atividade próspera que merece respeito mas que tem como desafio modernizar cada vez mais para atender as questões de bem estar animal e práticas ecologicamente corretas. Como produzir mais com menos e com bem estar animal é o mote da pecuária moderna.

Plínio Aiub é médico veterinário especializado em animais silvestres

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