Falhas históricas

“A história é a ficção que aconteceu.  A ficção é a história que poderia ter acontecido”.  (Irvin YALOM).

Estamos vivendo, no país e no mundo, situações dramáticas. A busca para entender e encontrar saídas são grandes desafios. Certa vez um grande pensador proferiu uma frase consoladora: a humanidade só cria problemas para os quais sempre encontra soluções.

Para entender nossa realidade a chave é analisar a história. Hannah Arendt, pensadora alemã, no outono de 1955 deu um curso incomum na Universidade da Califórnia, em Berkeley, que chamava de “exercícios de imaginação”. Bibliografia insólita combinando história, teoria política e um pouco de literatura. Os estudantes acorriam ansiosos a suas aulas e palestras.

Seu gatilho para avançar os debates era “pare e pense”. Ela explicava que o pensamento é como vento, tira tudo do lugar e insistia em que não existem pensamentos perigosos; perigoso é o próprio pensamento. Pensar não é trivial: abrir a própria cabeça nos permite considerar o horizonte do outro, conversar com diferentes pontos de vista e diferentes perspectivas.

Insistia em que “Pensar com uma mente alargada significa treinar a própria imaginação para sair em visita”. Arendt chamava isso de “pensar sem corrimão” [colocava em questão os conceitos seguros, as regras de orientação, os fundamentos da ideologia]. Sem corrimão, a imaginação revela seu poder e permite ver em muitos ângulos o problema.

Aconselhava a pensar algo novo sem recorrer a categorias inquestionáveis. No centro de seu pensamento encontra-se a reflexão sobre a permanência das soluções totalitárias: “o totalitarismo é a negação mais radical da liberdade”. “Quem não se mobiliza quando a liberdade está sob ameaça jamais se mobilizará por coisa alguma”.

Pensar a história. Pensar nosso país. De repente fico sabendo sobre José Murilo de Carvalho, historiador. Historiador considerado autor de obra monumental sobre como o Império brasileiro se constituiu e como se deu a formação da sociedade no começo da República.

José Murilo, assim como os demais pensadores progressistas brasileiros, acentuava que a modernidade brasileira começou com a urbanização e a industrialização a partir da Revolução de 1930 e as reformas de base seriam o corolário lógico de uma nação que deixava a oligarquia. O sonho nacionalista e desenvolvimentista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB) foi a grande influência, onde se estudava Max Weber.  No entanto, veio o golpe de 1964, e José Murilo afirma que o país falhou, nesse momento histórico crucial, em criar uma cultura cívica que superasse o elitismo, o patrimonialismo e o militarismo.

Murilo cursou mestrado e doutorado em ciência política em Stanford com bolsa da Fundação Ford onde encontrou o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Posteriormente, desenvolveu muitas pesquisas que o consagraram. “Os bestializados” (1987), “A formação das Almas” (1990) e “Forças Armadas e Política no Brasil” (2005), concluindo pelo fracasso das elites na constituição de uma cultura cívica republicana, “atravessada pelo elitismo, patrimonialismo e pelo militarismo”. “Cidadania no Brasil: O Longo Caminho” (2001) é considerado obra síntese sobre a má formação cívica brasileira e a necessidade de saná-la. Livro best seller, adotado em todas as graduações de ciências humanas no Brasil.

José Murilo trabalhou no projeto Caminhos da Política no Império do Brasil, financiado pelo CNPq, cercando-se de uma rede interinstitucional de grandes historiadores, produzindo coletâneas, como Linguagens e Fronteiras do Poder (2011). Faleceu em 13 de agosto de 2023, deixando às novas gerações o desafio de enfim aprofundar a cidadania no Brasil.

Maria Eugênia L.M. Castanho, mestre e doutora em educação pela UNICAMP, professora universitária, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, SP.

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