Vide vida

Por Clineida Junqueira Jacomini
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Para meu talentoso e grande amigo Maestro Agenor Ribeiro Netto.

“Vide vida marvada” é o título da música carro-chefe do saudoso Rolando Boldrin que tão bem retratava a vida do homem interiorano, do caipira como queiram … e que eu abomino, sempre! E olhem que posso ser assim chamada já que nasci e ainda vivo na roça. Mas, meu oferecimento ao maestro se justifica pela incrível ideia que ele teve no seu grupo “Violas e violinos” e depois na Camerata Chácara Vitti de fazer a mistura entre Villa Lobos e Boldrin e ainda mudando o ritmo da Bachiana número 5, a mais linda, para um ritmo bem brasileiro, o cateretê!

E isso me sugeriu falar sobre a marvada! Meu cunhado dizia quando viajávamos juntos: _Está mais perto chegar, do que voltar! E agora li uma frase parecida, pelo menos no espírito da coisa: _“Estou mais perto do fim que do começo. Então há coisas para as quais não ligo mais!”. Com quase 80 anos, pensamos mais na morte, por motivos mais que óbvios! Aliás, dizem os psicólogos que deveríamos pensar, discutir e falar mais sobre esse momento de partirmos dessa vida. Onde queremos ser enterrados, nossos investimentos, senhas etc etc., mas não fazemos isso. Será medo? Tentativa de se evitar a sinistra? Não me esqueço de uma história num dos livros infantis/filosóficos/adultos de Monteiro Lobato onde um pobre lenhador pedia a chegada da morte, pois não aguentava mais tanto trabalho, miséria e agruras. E vivia pedindo: _Oh! Morte, por que não vem me buscar!! E assim todos os dias. Numa dessas vezes, a danada cadavérica estava passando por ali e ouviu suas súplicas. Apareceu com uma foice nas costas, mais feia e tenebrosa ainda! _O que queres? Vim te buscar! E o pobre lenhador, arrependido de seu pedido, respondeu sem graça:_ Era só para me ajudar a por esse feixe de lenha nas costas!! Um dos maiores instintos humanos, além do gregário, sexual e outros, é realmente o vital! Todos nós almejamos viver bastante, mas que não nos falte qualidade de vida! Entramos no índice da Unicef sobre penúria infantil dentre outros países considerados pobres. Nosso percentual aumentou, pois milhares de nossas crianças não têm moradia, alimentação e escolaridade adequada. Que triste novidade!

Viver bastante, chegar a quase 100 anos, mas numa cama não é nada bom e ninguém merece! Quando fui pela primeira vez aos Estados Unidos, em 2003, o que me causou admiração foi ver aquelas senhorinhas de cabelos brancos, bem idosas, guiando seus carros automáticos, fazendo compras nos supermercados e lojas, normalmente, como se jovens fossem! Numa das vezes vi duas delas, ambas com seus cilindros de oxigênio, com rodinhas, ligados a tubos em seus narizes, escolhendo cerejas! Pareceu-me até que combinaram: cabelos brancos, vontades, nutrição, autonomia, dólares, oxigênio e cerejas vermelhas.

E por aqui? O que se vê? Cada vez mais longeva, agora que a pandemia e o horror da Covid parece ter passado, nossa população  consegue viver mais e com qualidade boa de vida já que temos Conselho e Estatuto do Idoso que parecem funcionar. E casas de repouso para idosos, nunca chamadas de asilos, coisa deprimente! Eufemismo doce para um lugar, longe dos familiares, onde o velho recebe comida, recreação, cuidados médicos especiais etc etc. Mas, lá e cá; num lugar mais simples ou mais luxuoso, todos nós um dia seremos chamados a prestarmos contas a Deus e baixarmos à terra poeirenta de onde viemos. E o mais importante e democrático: daqui não levaremos absolutamente nada! E há sempre tanta briga para se conseguir o que será deixado!!!

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