Pesadelo Animal

Logo cedo num sitio comum, daqueles (bem raiz mesmo), com muitas galinhas soltas, perus, gansos, pavões, d’angolas, porcos, cabritos, tudo junto; as vacas no pasto misturadas com o jumento, os cavalos e os burros de lida, começa a manhã na sua rotina natural. A galinha e seus pintinhos saem do seu ninho num caixote encostado no barracão após o canto competitivo do galo desde as 4;30min disputando qual canto é mais forte com o vizinho longínquo. Vão pastorear, ciscando a grama debaixo do orvalho de frente ao barracão. Os porquinhos, guinchando, passam correndo junto aos irmãos atrás do pavão que se exibia, abrindo sua cauda verde e azul, só para o ver fechar a cauda e sair correndo “feito um jacu”. Aproveitando o rastro deixado pela correria, a grama movimenta alguns insetos que os pintinhos aproveitam para apanhar com o bico, observando sua mãe fazendo o mesmo. Ao mesmo tempo, vendo a algazarra, o peru que não pode ouvir um barulhinho, já solta seu gorgolejar, esticando o pescoço e chacoalhando sua barbela; acorda o cão, que se estica na pequena varanda com piso de vermelhão, após um sono em cima de um baixeiro velho. Depois da espreguiçada, o peludo sai em direção ao açude encontrando a turma das galinhas d’angola que já começam a entoar o seu: “tô-fraco, tô-fraco”… fazendo os gansos abrirem as asas andando, meio que rebolando, até a flor d’agua para entrar vagarosamente no açude que ainda soltava uma pequena névoa de vapor. A orelha do cão então fica em alerta assim que ouve o assovio do vaqueiro que o chama para ajudar a trazer as vacas para a cocheira. Correndo, o peludo passa pelos carneirinhos que ainda estavam ruminando, deitados, “espatifando” a calma manhã.

As vacas vão chegando à cocheira e, do bezerreiro, já se ouve a choradeira pelo jejum do leite apartado dos bezerros ao por do sol do dia anterior. Assim que o vaqueiro abre o celeiro ao lado da cocheira para pegar as espigas de milho secas para triturar o rolão, aquela ninhada de gatos que passaram a noite caçando ratos, desperta em miados, seguindo o vaqueiro para conseguir um pires de leite fresquinho. Após a ordenha, os bezerros voltam às suas mães e curtem mais um pouco do leite deixados para eles, espumando e cabeceando o úbere da vaca. O dia transcorre com muita liberdade para todos. O burro descansa após ter ajudado a semear o milho da próxima safra, comendo uma mistura de rolão com cana triturada para repor as energias, enquanto tiram suas traias, quando a chuvinha anuncia a “boca da noite” com o coaxar dos sapos.

Na hora de dormir um dos pintinhos chega mais perto das asas da mãe e diz a ela: – Posso dormir mais perto da sra? É que na noite passada tive um pesadelo onde nossas famílias viviam em galpões, sem nenhuma brincadeira, nenhum amigo diferente! Não tínhamos o que ciscar! Olhei pela fresta e vi os nossos amigos porquinhos esmagados numa grade junto com as mães! Eles nem podiam correr e espantar o pavão e os gansos, que estavam presos individualmente em gaiolas! O peru estava como nós, num galpão com todos iguais, sem espaço. Os cabritinhos estavam em cercados também pequenos e não pastavam nem ruminavam; comiam apenas ração. Mas, o mais triste foi ver as vacas que nem ficavam mais com seus filhos!  Eles ficavam separados em casinhas sem poder mamar; tomavam leite no balde, sem sugar nada. Aí chegou um homem e uma mulher diferente, (não era igual o seu Zé, que conversa ‘com nós’ quando chama para jogar nosso milho no terreiro!). Estavam com cachorrinho peludo no colo, com lencinho no pescoço e com roupa!!! Não colocaram o cachorro no chão nem um minuto! Fiquei com medo desse mundo existir!! Me protege, mãe!!??

 

Plínio Aiub é médico veterinário especializado em animais silvestres

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