A complicada tarefa de descomplicar o vinho

Por Mariana Mendes De Luca | @marianamdeluca

Há alguns meses eu estava em um bairro boêmio de Paris e, ao sentar em uma das cadeiras que ocupam minúsculos espaços, pedi uma taça do “vinho da casa” que custava 5€ e não especificava qual era o vinho, apenas que por motivos óbvios era francês.

O garçom vinha de lá de dentro equilibrando em uma bandeja redonda, várias taças de vinhos e as distribuindo pelas mesas, como acontece aqui no Brasil em grandes choperias de bairros tão badalados quanto.

Olhei para as pessoas à minha volta e vi que ninguém se interessava pelo rótulo ou tentava adivinhar a safra — simplesmente bebiam um vinho e gargalhavam.

Pensei comigo: “Eu adoraria que no Brasil o vinho fosse simples assim”.

Mas a verdade é que, infelizmente, descomplicar o vinho na terra da cerveja gelada é uma tarefa muito complicada.

Uma pesquisa feita mostra que mais de 95% dos vinhos comprados em território nacional são consumidos em até 48 horas, tornando real a impressão que temos de que só tomamos vinho quando se é (muito bem) combinado.

Por exemplo: quantas vezes você saiu do trabalho e organizou um happy hour para tomar uma cerveja com os amigos? E quantas vezes você fez a mesma coisa para tomar um vinho?

O número de vezes da segunda ocasião é infinitamente menor já que, quando pensamos em tomar um vinho, algo se complica. Seja porque o clima não está na temperatura ideal, porque a comida não é apropriada, o evento não sugere um vinho ou até mesmo porque os valores são muito elevados.

Em nossa cultura, e com os nossos impostos, a dificuldade de se criar o hábito de tomar a bebida mais democrática do mundo com frequência só aumenta.

E essa complexidade não deveria existir, visto que em qualquer parte do mundo, a proporção em que se toma vinho pelo prazer do álcool é muito maior do que a parcela que se toma pelo prazer da degustação.

Isso acontece porque, ao ser ingerido, o álcool libera no cérebro neurotransmissores como dopamina e serotonina, que estão relacionados com a ativação dos centros de prazer e recompensa. Com essa liberação ocorrem mudanças fisiológicas no organismo que nos dão a sensação de relaxamento, bem-estar e desinibição.

Também não devemos associar (apesar dessa associação ser comum) o fato de tomar um vinho ao clima. Pois temos fácil acesso a rótulos que podem ser consumidos de janeiro a janeiro, independente do clima. Em dias quentes à beira mar, um vinho branco na temperatura mais baixa cairá perfeitamente, enquanto em um dia frio, um tinto mais encorpado vai acompanhar qualquer ocasião; e o pôr do sol com um vinho rose? Esse simplesmente será um momento propício!

Então, por que no Brasil ainda não é comum vermos garçons servindo vinho com a mesma frequência que vemos no exterior?

Porque o vinho no Brasil, que tanto vem melhorando e se tornando um vinho de qualidade e equilibrado, ainda é desiquilibrado nas questões tributárias.

Hoje, quando falamos em vinhos nacionais, até 60% do valor pago pela garrafa correspondem aos seus impostos e esse número fica ainda mais impressionante quando falamos de vinhos de outros países que chegam por meio da importação, pois chegam a corresponder a 70% do valor do rótulo.

Assim, fica fácil de entender porque na França o consumo da bebida por habitante é de 45 litros/ano e aqui no Brasil esse número é de 2 litros/ano por habitante.

Pedir uma taça de vinho deveria ser descomplicado, mas, ao que tudo indica, ainda teremos que tomar muitas taças até que esse dia chegue. E há de chegar!

Um brinde (com vinho) na terra da cerveja gelada e até A Próxima Taça.

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