Marly Camargo
Cadeira nº 6 – Patrono: Mário Quintana
Pensar no meu dileto patrono, Mario Quintana, que no próximo dia 5 de maio completa 30 anos de seu voo para o plano celeste, inevitavelmente, me traz lembranças que parecem se entrelaçar entre meu cotidiano e a poesia deste gaúcho, de aparência doce, miúda e simples.
Em suas palavras, ainda que obedecessem a um esquema rimático, Quintana era livre, tanto quanto as borboletas que, segundo ele, ninguém devia correr atrás, mas cultivar o jardim para que elas nos encontrassem, por si mesmas.
Uma reflexão, porém, se destacou em minha memória, após um sonho que tive.
Numa tarde cinzenta, como se estivesse a invocar a “Canção da Garoa” –um dos poemas do meu patrono- estava eu na sala aconchegante da Academia de Letras. Pus-me a imaginar quantas palavras dançavam entre estantes repletas de livros, enquanto os confrades se reuniam para celebrar a grandeza das letras e homenagear Mario Quintana.
A atmosfera parecia impregnada com a essência deste poeta, como se suas palavras ainda reverberassem pelas paredes. O som suave da chuva lá fora criava uma sinfonia perfeita, como se o próprio poeta declamasse: “Em cima do meu telhado/ Pirulin-lulin-lulin/ Um anjo todo molhado/ Soluça no seu flautim”. Enquanto os presentes compartilhavam histórias e anedotas sobre Mario Quintana, a figura do poeta se materializava em suas mentes, sendo possível sentir sua presença no ambiente, ainda que de maneira invisível.
Jornalista, tradutor e acima de tudo poeta, Mário de Miranda Quintana, gaúcho de Alegrete, era alguém que abrigava um olhar sonhador, por trás dos óculos redondos. E era assim que enxergava as coisas mais simples, dando a elas uma profundidade quase mágica. Quem não se emociona com “Indivisíveis” e espera o amor inocente e verdadeiro, que sobrevive aos olhares sarcásticos da “gente grande”?
Naquela tarde, porém, uma pessoa trouxe à tona o famoso poema “O Tempo” e o recitou, deixando as palavras ecoarem na sala. A plateia se envolvia na cadência das sílabas, como se cada verso se tornasse uma janela para a contemplação do efêmero.
Imersos nas letras e no legado do poeta, todos sentiram-se transportados para um mundo onde o tempo ganhava novos significados. “O relógio vai bater/ As molas rangem sem fim/ O retrato na parede/ Fica olhando para mim”, e como na Canção da Garoa”, parecia que o relógio ficara mais lento, para que todos saboreassem cada segundo daquela homenagem. Eles perceberam que, assim como o poeta, também podiam dar asas à imaginação e deixar suas palavras voarem como pássaros livres. Enquanto a chuva se intensificava lá fora, a atmosfera se tornava mais intimista, conforme a tarde avançava. Tudo culminou em unânime gratidão, guiados pela obra eterna de Mário Quintana!