¡Gracias a la tinta!

LUCINDA NORONHA
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Ganhei uma máquina de tatuagem como presente de aniversário de 50 anos. É! Foi presente do marido. Com isso, perguntas que não quiseram se calar chegaram de vários cantos fraternos e amistosos: “Que legal! Não sabia que você sabia tatuar!”.

Eu realmente não sabia. Ainda não sei, mas estou aprendendo ou pelo menos tentando, juro! E de onde surgiu esse ímpeto? Então, tá! Senta que lá vem história!

Quando fiz 40 anos decidi fazer minha primeira tatuagem. Em uma década completei nove delas pelo corpo e fui percebendo que estar num estúdio de tattoo era uma diversão pra mim. Foi assim que cheguei a comentar com o pessoal de casa — “acho que gostaria de aprender esse lance de fazer tatuagem”.

O que não imaginei é que me levassem tão a sério nessa empreitada. E eis que, na proximidade de meus 5.0, percebo meus filhos e o pai tramando a compra do tal presente. O intuito era ser surpresa até que… “Mãe, olha só, eu vou te contar uma coisa que eu não deveria, mas não aguento guardar esse segredo. Então você finja que não sabe de nada!”

É lógico que eu já sabia! E, conhecendo minha prole, também contava que isso seria segredo por pouco tempo.

E segue mensagem por áudio no celular: “É que tá tão fofo meu pai pensando nesse presente, mãe. Uma máquina de tatuagem! Consegui ver uma bem bacana. Não é das mais caras, mas segundo ele é só pra você começar e ir testando na gente mesmo.”

“Ir testando em vocês? Como assim, gente?” — questionei.

“Pois é! Do jeito que ele fala acho que vamos virar uns gibis!” — ri muito com isso.

Encurtando os caminhos, não é que ganho a arma? Ops!… A máquina, quero dizer. Abro a caixa e retiro dela uma parafernália que nunca tinha visto e muito menos manuseado antes. Um filho puxa um tutorial, monta a geringonça e… “Vai lá, mãe! Tenta um risco aqui em mim!” O outro só observa, ressabiado.

Uma sequência de erros! Uma vítima após a outra. Três estragos encavalados: a tentativa de uma nota musical no ombro do filho, de um coração no braço do marido. Enfim, só cicatrizes!

Pior foi acordar no dia seguinte com uma espécie de ressaca moral por não ter me revelado uma tatuadora nata e ainda ter feito besteira em peles alheias.

“Mãe, você vai me prometer uma coisa: vai aprender a tatuar pra corrigir essa ‘@%#€*@‘ que fez na gente!”

No grupo de WhatsApp da família a trama também chegou, e lógico, acompanhada de incentivo, mas também de uma boa “tiração de sarro”.

“Vou começar a treinar, gente, em peles artificiais! Vou ficar boa nisso e começar a tatuar vocês! Quem vai primeiro?”

“Acho que vou esperar um pouquinho, tia!”

“Olha lá, hein! — acrescentei — no dia em que eu for um sucesso como tatuadora vão ter que marcar hora!”

“Fique em paz, tia!” — complementou. Sentiram o clima, né?

Depois disso não houve escapatória. Fui atrás de um curso. Consegui uma professora. E quando sobra um tempinho ela vem em casa me dar aulas. Cheia de didática e de paciência, a garota de apenas vinte anos tem me ensinado desde a montagem da máquina e do uso dos mais variados equipamentos até como sentir o traço, o peso colocado nas mãos, a velocidade certa e o barulho contínuo e equilibrado da máquina. E até muito mais do que isso!

É que aos 50 anos a gente quer acelerar todo o processo. Questionei se não havia um modo mais rápido de passar o desenho para a pele sem ser por decalque. Foi quando Bella, a professora, respondeu:

“O lance do desenho antes e do decalque para a pele é legal! Faz parte do processo, porque quanto mais se treina o traço mais se familiariza com ele até chegar à pele!”. Não é demais isso?

Enfim, estou aceitando essa coisa toda e, sem perceber, acabei tomando os rumos para responder ao que meu terapeuta me fez refletir em uma sessão:  “Mas e você? Onde está  nesse lugar todo? O que vai começar a fazer por você?”

Parece que já tenho a resposta. Estou aprendendo a tatuar e me familiarizando com as etapas – como recomendação da professora- e com essa nova expectativa de mim para mim mesma. Estou lidando  com um processo. Mas tatuando? Sim, tatuando! Pode ser que mais para frente eu invente outra moda. Ou não.

Ah! O desenho mais bacana que ensaiei até agora foi um balão. Deve haver toda uma metáfora envolvida. Passear em um balão com certeza é outra aventura a qual também quero me atirar. E assim sigo, mesmo em meio aos “corres”, planejando pequenos desejos que façam a vida valer mais do que a rotina. Sensação boa essa.

Só sei que, enquanto focada em tatuagens, crio linhas, ensaio pensamentos, viajo nos traços, treino, contorno-me, vou longe e volto. Assim, por hora, e quem sabe até futuramente, digo e direi — “¡Gracias a la tinta!”

P.S.: A expressão “¡Gracias a la tinta!” foi sugestão da linda da minha sobrinha, Ciça, como um possível nome para meu futuro estúdio de Tattoo!

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