Piscina Cheia

MARCELO PIRAJÁ SGUASSÁBIA
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– Piscina é um negócio nojento mesmo. Se a gente parar pra pensar não entra numa de jeito nenhum.

– Ainda mais piscina de clube. Mas quem ligava pra isso? O que tinha que acontecer rolava aqui, em volta e dentro dela.

– Um caldo coletivo de bactéria, mas o que podia ser melhor que aquela vida irresponsável, cheirando a cloro? É, eu tinha cloro nos cabelos. Melhor ainda, eu tinha cabelos.

– Que graça tem hoje, com essa história de piscina em casa? Todo mundo tão isolado. Instrumentalizaram a piscina. Piscina serve pra não precisar ser sócio de clube.

– Lembro que você não tinha nenhuma estria ainda. Celulite, nem pensar. Pernas roliças, seios de pera. Ah, mulher, você era mais lisa e simétrica que os azulejos da Olímpica. Olha eles agora. Alguns soltos, muitos trincados, outros descorados, cheios de limbo verde.

– O que me comove é este seu transbordante romantismo.

– 1981, 82. Não havia como não olhar pra você, com aquele biquíni mínimo.

– Que depois eu acabei jogando fora, você não me deixou usar mais.

– Lógico. Aquilo ia bem na namoradinha dos outros. Quando te pedi em namoro já era pensando em casar. Nossa, você era pele e osso. Quase um desconforto te abraçar, Mirtes. Machucava.

– Me deixasse lá então, com meu biquíni mínimo. Se era mesmo essa faquir que você está falando, ninguém devia reparar em mim… nem você.

– Então, mas era uma magreza de modelo, esguia. Você era uma garça no meio das galinhas-d’angola…

– Na época você não me falava isso.

– Confete demais. Você se achava a última bolacha do pacote. Eu não repito nem pra mim os comentários da turma sobre você, antes da gente começar a namorar.

– Faz tanto tempo. Pode dizer agora, fiquei curiosa.

– Falar em confete, e os carnavais, heim? Muitos carnavais.

– “Quando por mim você passa, fingindo que não me vê, meu coração quase se despedaça…

– …no balancê, balancê”. Você bêbado feito um gambá, mamando aquela garrafa de tubaína cheia de Fernet com pinga.

– Tubaína, Fernet… volta pra 2022, Mirtes. Espana esse mofo, aí.

– Quem começou com o flash-back foi você.

– Olha outra do arco da velha… flash-back!

– Cinco noites e três matinês. Como é que a gente aguentava eu não sei.

– Uma folia emendava na próxima. Ia curando a ressaca de um dia com a bebedeira do outro…

– Você não valia nada, Bruno. Aposto que não se lembra mais daquela terça gorda quando te flagrei no carro com a Soraya-vai-que-é-fácil. E a gente já tinha aliança de compromisso.

– Efeito da tubaína. A Soraya era galinha-d’angola, como as outras…

– Ah, tá. Me engana que eu gosto.

– Eu até que era comportado. Pior foi o Julinho, que colocou uma câmera de vídeo no vestiário feminino. As debutantes todas, nuinhas. A fita circulou a cidade inteira, fizeram não sei quantas cópias. Sorte que você não apareceu no clube aquele dia.

– Olha lá, os caminhões de terra chegando.

– De novo, a velha piscina cheia. Antes fosse de gente.

– Sente comigo esse cheirinho bom de bronzeador. Pelo que vivemos aqui. Pelo que não volta mais.

– Mirtes, dá uma olhada no nome da empresa pintado nos caminhões.

– Júlio Piedade Terraplenagem e Engenharia. Que é que tem?

– É o Julinho. É a última do Julinho.

Esta é uma obra de ficção

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