Pantanal e comercial

A referência é algo, às vezes, cruel. Sempre temos que ter uma referência para medir algo que está em nossa estrada da vida, temos parâmetros, temos costumes adquiridos, temos bardas (para o caboclo). Sempre tivemos uma linha equilibrada, mais ou menos dos anos 60 até aproximadamente a virada do milênio, para lidar com a vida no que tange as coisas que se faz com ela… na escrita, na execução, na teoria, na prática. O mundão corria com as pernas, não sabíamos que a velocidade poderia ser muito mais rápida do que as passadas e leis primordiais da mecânica fisiológica, sabíamos sim que, se treinássemos e exercitássemos algo, ficaríamos em si melhores e mais fortes. Assim foi. Junto com isso corria o mercado comercial. Ele que transforma tudo, transforma os costumes, as referências, os parâmetros, a moda… e as coisas vão mudando de valores.

O disco de vinil que tinha uma manufatura quase artesanal mudou para CD, Pen Drive, nuvem… e toda essa indústria mudou, acabou a manufatura e agora está tudo nas nuvens. O mercado mudou, a forma de vender mudou, o poeta ébrio não tem mais tempo, o artista do tablado raiz não tem mais quem lhe ensinar, o músico sertanejo não tem mais como falar do berrante de ouro que parou sua viagem por um amor verdadeiro, o próprio amor verdadeiro se sufoca na modernidade das mais altas listas the best music das nuvens desse céu novo do mercado.

Cadê o pantanal da forma artística pura da dramaturgia nostálgica pregada no costume, na simplicidade, na lenda ribeirinha? Até a onça ficou pequena perto da maior pintada de todas, a pantaneira… os olhos do “gato” perderam um pouco sua magia que enfeitiçava ou era enfeitiçada pela bela mulher brasileira conectada ao campo, sem precisar fazer o “quadradinho” ou seja lá o que for.

Quantos caboclos do rosto talhado, da mão calejada, da fala verdadeira sem sotaque forçado, ganhou, no pouso campeiro, a esperança de fazer uma família com a cabocla Teresa do coração sertanejo, na beirada duma fogueira com moda de viola que não precisava de aplicativo e, a única nuvem que tinha era do céu entremeando a via láctea?

Creio que para algumas pessoas é um pouco mais difícil enxergar o mercado na frente dos costumes, da vida real, da erotização no lugar do galanteio, de um produto musical no lugar da música, do ranqueamento por seguidores do que os campeiros amigos, uma mensagem digital do que uma prosa do fio do bigode… é mais difícil enxergar que o Brasil rural se apequena diante do mercado e o mercado engole e tira todo mundo do campo para, do sofá, ver como é a natureza dos que não a conhecem, feita em alguns meses para tentar mostrar uma riqueza que é muito mais do que um amor moderno, um ator de barba fofa ou um pantanal, que por si só, merece mais atenção como bioma, do que esse costume moderno.

Vale a tentativa de reprise, mas que seja feita a análise com base naqueles parâmetros dos bons anos de vida, onde a dramaturgia imitava a vida na sua essência não na do mercado. Vale as paixões e um pouco do fogo que ela causa, mas ainda vale um pouco de inocência do homem apaixonado pela onça na pele de mulher, do costume pantaneiro, do gado nelore que encanta o mundo, do cavalo comum encilhado na beira da cerca de um Brasil que era mais rural do que comercial, onde o gado era o boi no pasto e não uma commodites na bolsa de valores, que o peão pedia benção para o pai e para mãe, aprontava também, mas era justo no discernimento do certo e errado pois aprendeu ali no terreiro da sua casa e não no aplicativo ou tutorial.

No fim, tudo tem seu lado bom quando nos voltamos à natureza e a forma de aprender com o tempo dela não da velocidade que o mercado nos impõem.

“Simbóra mudar o rumo dessa prosa”.

Plinio Aiub é médico veterinário.

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