Nós e Drummond

MARIA EUGÊNIA CASTANHO E WARLEN FERNANDES SOARES

Às seis horas da manhã, caminhando pelas ruas de nossos bairros, as pessoas que encontramos, todas usando máscaras, não se cumprimentam, parecem temerosas de se contaminarem. Tudo aquilo que aprendemos em nossa formação sobre relacionamento solidário e desenvolvimento dos costumes da amizade ficam anestesiados, já que se trata de cada um defender-se da terrível pandemia. O distanciamento das pessoas nos fez lembrar de um poema de Carlos Drummond de Andrade escrito há muito tempo, em 1940, no qual ele descarta caminhos que nos desviam das grandes finalidades de nossa existência e de nossa luta por ações humanitárias. Diz ele:

Mãos Dadas
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista da janela, não distribuirei entorpecentes
ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por
serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes,
a vida presente”.

O título do poema pode parecer incongruente em tempos de necessária assepsia das mãos com álcool em gel e de tantas outras coisas. Mas é isto que nos provoca a reflexão. O poema de Drummond, cuidadosamente por nós escolhido para
o momento em que vivemos, inicia-se com uma negação e constrói-se
sugerindo que percebamos o mundo e que o mundo nos perceba.
O poeta deixa claro que não haverá volta ao tempo passado e
tampouco clamará pelo mundo futuro. Declara-se preso à vida e vê os indivíduos, como hoje enxergamos os nossos contemporâneos, sedentos de espera.
O presente retratado pelo poeta mineiro mostra-se grande.
Qual de nós ainda não se deteve a pensar que tudo se
repete sem grandes alterações, dia após dia? A nossa percepção de tempo parece ter sofrido alguma modificação. Surge então a revelação do título do poema: vamos de mãos dadas. Convite irrecusável e necessário nos dias atuais. Estamos todos no mesmo barco, no mesmo caminho e se nos dermos as mãos, nos fortaleceremos.
Não se trata da busca de refúgio em uma ilha ou de derivativos outros. Trata-se de ver o tempo e a vida presentes. Investir nisso. É no presente que vamos esperançar; que aguardamos a valorização da ciência (com a chegada da vacina, seja qual for o país de origem) e que nos aconchegaremos, mesmo sem podermos nos dar as mãos (devidamente esterilizadas), para vermos que a vida de cada um e a de todos importa.
Retomando e reforçando a voz de Drummond, repetimos:
“O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. (…) O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.
Vamos nos dar as mãos, devidamente bêbadas de álcool ou molhadas pela água com sabão. E caminhar na rota do sonho.

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