Pinta a tua aldeia

“Ninguém vive na União ou no estado, as pessoas vivem no município”. O pensamento do ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, muito provavelmente se tratava somente de uma lição político-administrativa; é preciso que a atenção dos nossos governantes se concentre nas cidades, pois nelas é que a vida acontece. Nada impede, entretanto, que tal frase alcance novas interpretações à luz de diferentes contextos. Parece-me uma lei universal priorizar o micro sobre o macro, o local sobre o global.

Exemplos não faltam. Ao comparecer a uma colação de grau de uma amiga, assisti a seu paraninfo argumentar: “Antes de tentar salvar a Amazônia, que é algo muito importante, que tal arrumar seu quarto, ajudar sua família a lavar as louças?” Faz muito sentido. Quando cobri um treinamento de estudantes de Enfermagem na Santa Casa, vi a professora ser categórica: os enfermeiros devem se paramentar de modo a garantir estar em perfeitas condições antes de atender os necessitados. Isso se deve ao fato de que, se eles não estiverem protegidos, atentos e saudáveis, não poderão ajudar a mais ninguém. Pelo menos, não com o nível esperado de segurança.

A qual conclusão podemos chegar com esses ensinamentos? Que é necessário antepor e ter certeza da solidez de tudo que está mais próximo para poder expandir. Nossa cidade, nossa área de trabalho, nossa família, nossa casa, nosso relacionamento amoroso, nosso corpo, nossa mente, nosso espírito. Com isso em ordem, não é difícil imaginar o potencial de atuar em grandes tarefas, como transformar o sistema econômico, salvar as baleias, pregar uma religião ou mudar uma sociedade inteira.

E se daqui em diante passássemos a nos inteirar de toda a política municipal, para nos apropriarmos com magnitude da situação da cidade onde vivemos, antes de discutir os mandos e desmandos de Brasília? Ora, uma coisa não exclui a outra, mas entendo ser mais proveitoso compreender a realidade de um espaço social em que você pode, de fato, ter influência, causar impactos e gerar mudanças. Não é só uma questão de não assumir um fardo demasiadamente pesado, mas de otimizar um plano de ação com foco em resultados.

Não é de estranhar, em uma aldeia global como a nossa, onde o sonho de muitos é fazer um sucesso repentino no TikTok ou Instagram, o apelo seduzente da ideia de produzir um conteúdo relevante para todos os indivíduos de todas as diferentes culturas – mesmo que em um nicho específico. É nesse momento que podemos olhar para trás e reaprender uma valiosa lição com Tolstói: “Se queres ser universal…”

Matheus Lianda é jornalista e lê O Município antes dos periódicos nacionais.

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