Há 100 anos, São João e região registraram abalo sísmico

Por Daniela Prado
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Há cem anos, a edição do O MUNICIPIO de 28 de janeiro de 1922 trazia em uma de suas páginas, a notícia de um tremor de terra, ocorrido em São João e cidades da região, sendo Espírito Santo do Pinhal, a que mais sofreu com este abalo sísmico.

Para entender exatamente como foi a situação, leia a íntegra da matéria original, transcrita abaixo.

A respeito de algum provável fator desencadeante deste tremor ‘centenário’, Marcelo Assumpção, professor de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o Brasil todo, mesmo estando no meio de uma placa tectônica –longe das bordas onde ocorrem os grandes terremotos-, não está livre de pressões geológicas que atuam na crosta e provocam pequenos tremores /terremotos.

“Tremores de terra podem ocorrer em qualquer lugar do Brasil. Por exemplo, desde 10 de janeiro, ocorrem pequenos tremores em Divinópolis (MG), assustando os moradores; mas a magnitude lá não passou de 3,0”, recordou.

Professor de Sismologia: Assumpção revela que tremores de terra como o de há 100 anos são raros (Arquivo Pessoal/Marcelo Assumpção)

Ele também pontua que algumas regiões do Brasil são mais susceptíveis que outras e inclusive uma das que registra tremores com mais frequência é a do Sul de Minas: Poços de Caldas, divisa Minas Gerais/São Paulo, até Araxá (MG).

“As causas da sismicidade ‘intraplaca’ (no interior de uma placa tectônica) não são bem conhecidas, mas entre outras possibilidades, uma hipótese seria que os tremores são mais frequentes em áreas onde a placa tectônica é mais fina. Por exemplo, poderia ter 80 km de espessura em vez de 150 km. Esse afinamento pode concentrar as pressões geológicas na parte superior da crosta, tornando os sismos mais frequentes. Mas não existe um processo desencadeante específico para cada sismo”, esclareceu.

Em janeiro de 1922, o tremor de terra durou poucos segundos, mas foi suficiente para acordar os moradores (aconteceu de madrugada) e derrubar quadros e objetos no interior das casas.

Assumpção explica que a curta duração do tremor se deve à magnitude pequena.

“Magnitude 5 pode causar vibrações por alguns segundos. Mas se estivermos próximo ao epicentro, essas vibrações, mesmo rápidas, podem ser intensas o suficiente para provocar pequenos danos”, mencionou, completando que quanto maior o tamanho da ‘fratura’ que se movimentou, mais intensas serão as vibrações — que podem ser sentidas a distâncias bem grandes.

COMO SÃO ESSES FENÔMENOS

O professor de Sismologia da USP justifica que o sismo é um deslizamento repentino numa falha ou fratura geológica, causado pelo acúmulo de tensão (pressão).

“As pressões aumentam muito lentamente durante centenas de anos e, quando atingem o limite de resistência das falhas, provocam o deslizamento. Não existe uma época do ano mais propícia, ou mesmo um horário mais comum. Nas regiões do Brasil onde os abalos são mais frequentes, acredita-se que essas tensões geológicas estejam mais altas e portanto mais próximas do deslizamento”, salientou.

E lembrou que em alguns estados como Ceará e Rio Grande do Norte, os abalos são muito comuns.

“Em Caruaru (PE), por exemplo, tremores são conhecidos há mais de 100 anos e ocorre um relativamente forte (magnitude 3 a 4) a cada 10 ou 20 anos, em média. O Estado de São Paulo é um dos mais ‘calmos’ do país. O sismo de Pinhal, em 1922, foi uma exceção, por estar perto da zona sísmica de Minas Gerais”, exemplificou.

Indagado se o clima chuvoso dos dias atuais, com alagamentos em algumas cidades brasileiras pode influir na ocorrência de episódios semelhantes aos de há cem anos, Assumpção respondeu que os tremores são imprevisíveis, até mesmo em países mais adiantados em sismologia como o Japão e Estados Unidos.

“O máximo que se pode fazer é estimar em que regiões estes são mais frequentes estatisticamente e se preparar pra quando tremer. Nessa região de Pinhal (SP) até Araxá (MG), tremores de magnitude 5, como o de 1922, ocorrem em média uma vez a cada 400 anos!  São muito raros. O próximo de magnitude 5 pode ser em outra cidade próxima. Pode ocorrer amanhã ou daqui a 500 anos”, apontou.

E concluiu que, em alguns casos muito raros, a chuva pode ajudar a provocar tremores, pois a infiltração da água em fraturas a alguns km de profundidade pode ‘lubrificar’ as falhas e disparar o deslizamento.

“Na grande maioria dos casos não há relação nenhuma com chuva. Por exemplo, nessa última semana ocorreram vários tremores perto de Divinópolis (MG) e pensou-se nas chuvas intensas das últimas semanas e meses. Mas no Rio Grande do Sul (RS), onde há uma estiagem muito forte há meses, também estão ocorrendo tremores de terra”, finalizou.

Há cem anos… TREMOR DE TERRA

A população desta cidade, pelas 4 horas da madrugada de hontem, foi sobresaltada por surdos rumores e um forte tremor de terra, que durou, calculadamente cerca de 10 ou 15 segundos.

Apezar de ser as primeiras horas da madrugada, quando justamente o somno de uma pessoa é mais pesado, quasi todos os habitantes se levantaram, sahindo para a rua, lugar esse que achavam mais seguro.

Em diversas casas os abalos desse phenômeno sísmico mais se deixou produzir, talvez por serem de construcções menos sólidas, motivo pelo qual estatuetas, quadros, gaiolas com passarinhos etc., cahiram das paredes.

Em diversas casas nesta cidade, devido ao abalo produzido, trincaram-se paredes, que não vieram abaixo, talvez por não ser o tremor de terra de grande duração.

Em outras cidades circumnvizinhas, taes como Espírito Santo do Pinhal, Itapira, Casa Branca, Poços de Caldas, Amparo, Cascavel, Mogy Mirim, Campinas, Mocôca, Itoby, Jacutinga, etc., também este phenômeno foi produzido.

Em Espírito Santo do Pinhal, o abalo foi mais forte, segundo noticias telephônicas que tivemos, pois várias casas ruíram-se por terra.

Segundo lemos na Encyclopedia e Diccionário Internacional, variam muito de intensidade, os tremores de terra. Há, os de menos importância, como por exemplo, esse que acabamos de sentir, constando somente da destruição de casas e descolocação de móveis, e há, os de effeitos mais importantes, como as aberturas de fendas maiores ou menores. Umas ficam abertas, hiantes; outras fecham-se logo, tragando tudo que se encontrava à superfície.

Transcrevemos da Encyclopedia o seguinte trecho:

“Os desnivelamentos do solo são igualmente frequentes. Os outros effeitos, que teem um caracter mais accessorio, são o desenvolvimento dos gazes de vapores, mesmo de chammas; erupções de lama, de areia, de água quente; o escoamento de umas fontes, e abertura de outras novas; ejecções de água a alguns metros de altura; producções de ondas sísmicas visíveis, em que o solo forma grandes ondulações, etc.

Emquanto que os pequenos tremores de terra se dão em quasi toda a parte, os terremotos estão ordinariamente confinados em áreas limitadas. Em geral são mais frequentes nas regiões vulcânicas e particularmente ao longo do limite entre grandes elevações e depressões. Mas não estão apenas limitadas a áreas vulcânicas.”

A vista do exposto, é de presumir-se que o tremor de terra verificado hontem, seja de origem do desenvolvimento de gazes, de vapores e de erupções de lama, devido às grandes chuvas últimas.

Consultado, por um hóspede da Prata, um dos sábios no assumpto, de São Paulo, diz este que presume-se ter os rumores e o abalo repercutido no Brasil inteiro, pois, também, os terremotos do Japão, sentiram-se do Rio de Janeiro.

Na Capital do Estado o phenômeno sísmico se manifestou, porém mais brandamente do que nesta e nas visinhas cidades.

Várias famílias que estavam na Prata, em uso das águas medicinaes, abandonaram esta estação, com receios de que as variações de temperatura das águas thermomineraes poderão contribuir para que, em caso de novo fenômeno sismico,  a agitação do solo seja ainda maior do que esta que acabamos de presenciar.

Porém, como diz o illustre sábio paulista apezar de presumir que o tremor de terra novamente se reproduzirá, nada influindo nisso as águas thermo-medicinaes da Prata e de Poços de Caldas, não haverá perigo algum, devendo a população local conservar-se calma, sem atemorizar-se.

O MUNICIPIO, sábado, 28 de janeiro de 1922.

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