Grave doença pode estar associada a mortes de cachorros-do-mato

Recolhidas: pelo menos duas carcaças foram levadas ao Hospital Veterinário para autópsia há mais de uma semana (Divulgação/Arquivo/Polícia Ambiental)

As recentes mortes de pelo menos cinco cachorros-do-mato (Cerdocyon thous) podem ser uma epizootia – doença entre animais, semelhante a uma epidemia em seres humanos –, além de um indicativo da circulação local de uma alguma doença infecciosa potencialmente zoonótica – que pode ser transmitida de animais para humanos. O alerta é do ex-diretor do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e médico veterinário Roberto Hoffmann, que não descartou a possibilidade de raiva.

Na semana passada, entre quarta-feira (22) e quinta (23), ao menos quatro dos canídeos silvestres – popularmente chamados de raposas-do-cerrado, raposinhas, dentre outros nomes – foram encontrados mortos nos arredores de São João da Boa Vista, especificamente em diferentes pontos da Serra da Paulista. Três deles foram localizados por uma fotógrafa amadora que fazia caminhada pela área rural, na quarta, e um quarto animal por um empresário, na quinta. Dias depois, outro animal foi visto morto pela região.

“O adoecimento ou morte de animais silvestres de uma mesma espécie, em uma mesma área geograficamente próxima e com paisagens semelhantes, do ponto de vista epidemiológico, é considerado uma epizootia, e pode ser indicativo da circulação local de uma alguma enfermidade infecciosa potencialmente zoonótica”, disse Hoffmann.

De acordo com ele, a vigilância de epizootias é um elemento passivo da vigilância epidemiológica primordial e depende do conhecimento prévio da comunidade científica local, dos serviços de vigilância de zoonoses, dos profissionais veterinários e da comunidade em geral.

“Neste caso, os veículos de comunicação são essencialmente necessários para alertar a população sobre os riscos de contato com esses animais e da notificação dos eventos às autoridades locais, além da polícia, os serviços de vigilância municipais”, alertou.

CICLO URBANO DA RAIVA
Doença transmitida a partir de cães e gatos domésticos, infectados uns pelos outros, e que comumente atingiam o ser humano, a raiva está considerada controlada no Estado de São Paulo há mais de 20 anos, segundo o médico veterinário.

“Conhecida como raiva furiosa, a doença era facilmente transmitida aos seres humanos pela saliva do animal agressivo quando mordiam as pessoas e outros animais”, lembrou.
Todavia, Hoffmann ressalva que, apesar da eliminação da transmissão da variante canina do vírus rábico, a circulação do viral ainda permanece ativa no Ciclo Aéreo, que é a transmissão da doença entre praticamente todas as espécies de morcegos.

“O risco de transmissão da Raiva atualmente reside na possibilidade de contato de pessoas, cães e gatos domésticos e mamíferos silvestres com morcegos naturalmente infectados”, afirmou.

Figura: Modelo gráfico didático da cadeia de transmissão da Raiva (Reprodução/Instituto Pasteur de São Paulo)

Conforme o Ministério da Saúde, causada pelo Vírus do gênero Lyssavirus, da família Rabhdoviridae, a raiva é uma doença infecciosa viral aguda, que acomete mamíferos, inclusive o homem, e “caracteriza-se como uma encefalite progressiva e aguda com letalidade de aproximadamente 100%”.

Roberto Hoffmann reforça ainda que, de forma semelhante às epizootias que ocorrem em primatas não humanos (mortes ou adoecimento de macacos numa determinada área), que são eventos sentinelas na antecipação da circulação da Febre Amarela numa determinada localidade, a epizootia em canídeos silvestres pode ser um alerta de reintrodução do vírus rábico no ciclo urbano, ou até mesmo da possibilidade de contato direto com pessoas.

“O diagnóstico da raiva é feito exclusivamente a partir de material biológico coletado de animais mortos e envio aos laboratórios de referência. A identificação de outras causas mortis por exames macroscópicos, como, por exemplo, fraturas, hematomas e queimaduras, não eliminam a possibilidade de infecção por raiva, que é um dos fatores causadores de incoordenação motora ou perda da capacidade de orientação espacial dos animais doentes que se tornam vítimas de acidentes, quedas ou eletrocussão”, comentou.

E ele alerta também que o tempo entre a morte do animal e a coleta da amostra deve ser o menor possível para garantir o resultado do teste laboratorial. “Portanto, a comunicação aos serviços de vigilância deve ser o mais breve possível, seja pela comunidade, seja por profissionais médicos veterinários clínicos, ou pertencentes às outras atividades de cuidados ambientais”, pediu.

Por fim, o médico veterinário reforça que qualquer tipo de contato de pessoas com animais silvestres, vivos ou mortos, devem ser rapidamente avaliados clinicamente por um médico, que definirá o protocolo de profilaxia antirrábica mais adequado, independente do diagnóstico laboratorial do animal envolvido no contato.

EPIZOOTIA
É um conceito utilizado na saúde pública veterinária para qualificar a ocorrência de um determinado evento em um número de animais ao mesmo tempo e na mesma região, podendo levar ou não a morte. Para saber mais, basta acessar portalsinan.saude.gov.br/epizootia

ZOONOSES
A definição clássica de zoonoses é a de doenças que são transmitidas de animais para humanos, ou de humanos para os animais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a zoonoses como “Doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos” (OMS, 2016). Para saber mais, acesse wp.ufpel.edu.br/ccz/apresentacao-2/o-que-sao-zoonoses/

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