Mais emoção ou mais razão?

A duas semanas do pleito, nuvens pesadas continuam a empanar o cenário. Ainda não enxergamos os atores do palco no segundo turno, mas dá para distinguir traços que poderão influenciar a decisão final do eleitor, a começar por duas alavancas que mexem com o sistema cognitivo: a razão e a emoção. A emoção abriga a torrente de sentimentos das pessoas, como raiva, indignação, vingança, simpatia/antipatia, medo, desespero e por aí vai. Já a razão implica processos críticos, a partir da comparação entre protagonistas, análises apuradas sobre os perfis capazes de produzir a sentença: o governante certo no momento adequado para o lugar correto.

Como se extrai o índice de razão e emoção ao correr de uma campanha eleitoral? Grupos submetidos a uma bateria de pesquisas qualitativas dão aos marqueteiros as clamadas respostas. Mas uma simples observação sobre o dicionário usado pelos figurantes e suas respectivas assistências já é suficiente para se ter ideia dos vetores que movem o interesse do eleitor. O clima geral do país – que se mede pela satisfação/insatisfação do consumidor – pode ser um ponto de partida. Como tenho enfatizado, o bolso enche a geladeira, que supre a barriga e comove o coração, fazendo com que a cabeça do eleitor aprove candidatos que tenham contribuído para tal situação. A recíproca é verdadeira.

Na paisagem, a cor vermelha do sangue derramado nas ruas pelas torrentes de violência tem o condão de fazer ecoar um forte clamor pelo combate frontal à bandidagem. O Brasil, como se deduz pelas ondas de criminalidade que se espalham em todas as regiões, tornou-se gigantesca delegacia de polícia. Daí o volume crescente do discurso do fígado, sob a medrosa movimentação dos habitantes em ruas e praças, principalmente nas periferias desprovidas de vigilância e dominadas por gangues e milícias.

A expressão cheia de bílis ainda se alimenta de um composto político, aqui caracterizado pelo radicalismo que habita os extremos do arco ideológico, onde exércitos de Bolsonaro jogam sua artilharia pesada contra a militância petista, gerando recíproco tiroteio na arena das redes sociais. Sob essas duas fontes de conteúdo – a bandidagem e o lulopetismo – expandem-se os fluxos de emoção, provocando engajamento mais intenso em regiões menos desenvolvidas politicamente como o Nordeste (26,62% dos votos), o Norte (7,83%) e o Centro-Oeste (7,29%), cuja população eleitoral chega a mais de 61 milhões de eleitores. Trata-se de um eleitorado integrado ao território conservador, onde é forte o voto populista/cabresto, de teor emotivo.

Já o discurso da razão é mais intenso nos estratos médios da pirâmide social, particularmente nas regiões Sudeste (43,38% dos votos) e Sul (14,42%), com a observação de que os sulistas tendem a surfar na onda do voto de cunho nacionalista, enquanto os votos de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, onde habitam as mais poderosas classes médias e as maiores organizações sociais, estão mais próximos ao abrigo da racionalidade. Nesse caso, a opção de votar fica para os momentos finais, após uma varredura na moldura dos candidatos e análise de suas qualidades.

São observações gerais, com a ressalva de que há votos emotivos e racionais por toda a parte. Mas, em face das características de cada área, é possível se chegar a um razoável painel regional de tendências. O fato é que o Brasil está rachado, sinalizando certa igualdade entre os números. De maneira aproximada, pode-se distinguir 30% de votos para cada margem extrema (direita e esquerda) e 40% repartidos entre o centro e seus dois lados (centro-esquerda e centro direita). Sob a teia dos 100%, estão no páreo Jair Bolsonaro, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva.

A temperatura dos próximos dias, com a acomodação das placas tectônicas dos programas eleitorais, contribuirá para o fechamento do processo decisório. De forma a direcionar o rumo a ser seguido pelos 147 milhões de eleitores.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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