Santa Casa de Mococa saiu da crise com planejamento e gestão

A crise na Santa Casa de São João da Boa Vista é, sem dúvida, um dos temas que mais preocupa a cidade neste momento. São milhões em dívidas, problemas de relacionamento, estrutura sucateada, entre outros fatores.

Em situação semelhante encontrava-se a Santa Casa de Mococa, no ano de 2003. O hospital estava com dívida altíssima e tudo indicava que ele ia fechar as portas.

Contudo, algumas pessoas da Irmandade, diante do que significaria o fechamento da Santa Casa para Mococa, uniram forças, montaram uma chapa e assumiram a gestão do hospital. Para provedoria, o grupo escolheu Maria Edna Gomes Maziero, que até então era uma voluntária e colaborava na realização de campanhas para ajudar a Santa Casa.

A reportagem do O MUNICIPIO esteve com a ex-provedora na tarde de segunda-feira (9), na cidade de Mococa. Em uma conversa de cerca de uma hora, em sua casa, Maria Edna contou detalhes da passagem dela pelo hospital e as principais ações que permitiram sanar as contas da Santa Casa e torná-la uma referência.

 A PROVEDORIA

Maria Edna conta que, por ser esposa de médico, sempre se envolveu com ações voluntárias na Santa Casa da cidade. Até então, ela era apenas um membro da Irmandade que atuava voluntariamente em benefício do hospital.

“Eu sou professora, bióloga de formação. Mas, paralelamente a isso, sempre trabalhei com o terceiro setor. Desde que cheguei a Mococa, há 42 anos, eu fui buscar, como esposa de médico, prestar minha solidariedade ao hospital. Então a gente fazia campanhas”, lembrou.

Mas, em 1995, ela e outras seis mulheres criam o Grupo Solidariedade, que surge exatamente devido a preocupação com a dificuldade enorme por que passava a Santa Casa. O grupo, porém, atuava apenas fazendo reformas no local, nunca oferecendo dinheiro.

E é exatamente neste momento que elas perceberam que estas ações não bastavam e que o problema no hospital era de gestão.

Maria Edna lembra que, em 2003, a Santa Casa de Mococa estava em uma crise profunda e cogitava o fechamento. Para se ter uma deia, a Santa Casa não tinha nenhum contrato do SUS assinado porque possuía a CND (Certidão Negativa de Débitos). Além da dívida, os equipamentos estavam sucateados. A UTI estava sendo fechada, pois devia para médicos. Havia problemas de improbidade administrativa por falta de pagamentos de impostos trabalhistas. Nem medicamentos para realização de cirurgias havia naquele período.

Então, ela aceita o convite de um grupo da Irmandade do hospital para possivelmente montar uma chapa para assumir o comando da entidade. “Eu fiquei muito revoltada e indignada com a situação de fechar as portas da Santa Casa e entregar para a Prefeitura. Daí fui brigar por ela”, contou.

É assim que se torna provedora da Santa Casa de Mococa, sendo escolhida pelo grupo que assumiu o desafio de salvar a entidade. E os seus trabalhos começaram no início de 2004.

O INÍCIO

A ex-provedora, que até então tinha apenas uma formação em biologia, buscou capacitação para agir na área da saúde. Até por sua atuação forte na área social, fez cursos de administração no terceiro setor, de cooperativismo, de capitação de recursos e uma pós-gradução em administração com enfoque em saúde.

Quinze dias depois de assumir o cargo, ela deixou de dar aulas para se dedicar exclusivamente a nova missão. “Eu era professora, mas parei porque o buraco era muito mais embaixo do que eu imaginava”, assumiu.

Maria Edna diz que o que faltava na Santa Casa era gestão e um grupo participativo e de qualidade para discutir o hospital. “E ao mesmo tempo precisava de recursos. Na época, eu abri mão da pessoa que era o administrador, pois achei que se estava naquela situação tendo um administrador, eu poderia abrir mão dele. Eu disse que eu administraria voluntariamente e acumularia com o cargo de provedora, durante até seis meses. Ai acabei ficando, ficando”, recordou.

 O SLOGAM

Com o slogam “O que pode para mim, pode para você, pode para qualquer um”, Maria Edna consegue implantar uma nova cultura dentro do hospital. “A gente começou a não diferenciar as pessoas. Aquele jeitinho de ‘meu amigo pode’, o convênio é de quarto coletivo, mas vou por no quarto individual, foi acabando. Porque isso é prejuízo. Então a gente acabou com esses benefícios. O que podia para um, podia para todos”.

 

PLANO DIRETOR, PARCERIAS E REGIONALIZAÇÃO SALVAM O HOSPITAL

Maria Edna conta que, em busca de salvar o hospital, inúmeras parcerias foram realizadas. Além disso, a regionalização dos serviços e a elaboração de um plano diretor para a Santa Casa foram fundamentais, segundo ela, para o sucesso do projeto.

Uma das primeiras ações feitas pela ex-provedora foi fazer a revisão do plano de saúde, que estava deficitário. “Fui buscar ajuda de pessoas, que fizeram auditoria junto comigo. A gente procurou equilibrar o preço. Assim, o plano que era deficitário passou a dar lucro”, lembrou.

A regionalização dos serviços também foi outra ação que Maria Edna considerou fundamental para a salvação do hospital. “Fomos planejar o que daria para Mococa oferecer de serviços. Porque se a gente não oferecer serviços, a gente não consegue verba. A regionalização foi um grande ganho para Mococa. A gente tanto ofereceu serviço na UTI como depois em clínica e ortopedia. Nos ajudou muito. Quem trabalha sozinho é difícil”, garantiu.

Mas, o grande salto da gestão dele acontece quando decide elaborar um plano diretor da Santa Casa. “A gente fez um plano para 20 anos e em 8 anos terminamos ele. Eu costumava dizer que a mudança da Santa Casa seria de dentro para fora e assim a gente fez”.

Maria Edna lembra que implantou protocolos para tudo. “As pessoas não tinham nem requisição para pegar as coisas. Então a gente implantou protocolo para tudo. Falavam que eu era rígida, porque nada saia sem protocolo. Para ir buscar uma caneta no almoxarifado tinha que levar a caneta que acabou. Não se sabia quanto se utilizava de medicamentos de uso geral. Assim, para buscar uma pomada tinha que levar o tubinho vazio. E nós conseguimos”.

Como meta do plano diretor, que foi elaborado por voluntários aos sábados, todos os contratos foram revistos e as dívidas com fornecedores renegociadas. “O que a gente conseguiu foi a credibilidade e não misturávamos política. Eu sempre fui política, mas não partidária. O dia que eu resolvi ser partidária eu deixei a Santa Casa. Eu nunca misturei”.

 OS MÉDICOS

Antes de Maria Edna chegar, os médicos não podiam participar da Irmandade, o que foi alterado. Hoje, um médico, inclusive, é o provedor da Santa Casa. “Ou a gente trabalha com os médicos ou o hospital não vai para frente. O lugar que não tem união não vai para frente”.

A ex-provedora não esconde que no começo teve dificuldade com alguns médicos, que quiseram até enfrentá-la. “Um me disse assim: aqui no centro cirúrgico quem manda sou eu. E eu enfrentei e disse que então ele ia pagar o instrumental que tinha jogado no chão. Teve um fato que eu precisei, inclusive, mandar a nota fiscal. Era a ‘casa da mãe joana’, cada um fazia o que queria” relembrou.

Mas, hoje, ela se diz muito grata aos médicos e garante que eles abraçaram a causa quando perceberam que era sério o trabalho. “Eles passaram a ir em busca de recursos comigo. Se não tiver essa união não vai para frente. Não adianta brigar com médico”, deu a dica.

E uma das maneiras que permitiu a aproximação da direção do hospital com a classe médica foi a elaboração de protocolos e regimentos junto com os profissionais. “Se o médico não respeitar os protocolos, é prejuízo para o hospital. Então fizemos a revisão em conjunto e deu muito certo”.

 QUALIDADE

A qualidade dos serviços também era outra questão presente no plano diretor e que foi seguida a risca pela ex-provedora. “Tínhamos poucos enfermeiros e muitos auxiliares. Fui buscar cursos para quem era auxiliar tornar-se técnico em enfermagem. Fomos buscar qualificação para eles. Não ficamos atentos só na parte física, monetária ou tecnológica. A gente buscou também a qualidade. A gente montou um grupo chamado Grupo da Qualidade, formado por 22 funcionários do hospital, de todos os setores”.

Maria Edna, aos poucos, foi treinando as pessoas para conseguir implantar tudo o que desejava. “Em cada setor o profissional responsável tinha que fazer um curso e depois passar para os colegas as mudanças apresentadas. Era uma forma de divulgar o que estava acontecendo. Quem não caminhava nessa direção, nesse novo momento, ficava”.

 

‘ELA É FILANTRÓPICA, MAS NÃO É DE CARIDADE’

Após ter permanecido de 2004 a 2012 como provedora daquele hospital, Maria Edna consegue tirar algumas conclusões dessa experiência.

Uma delas é que é preciso agir com rigidez. “Falaram que eu era muito rígida e eu era mesmo. Santa Casa, a gente piscou o cachimbo cai. Eu tinha que ser rígida para a sobrevivência da entidade. Concessões eu não fazia. Só que também eu nunca mais atrasei salário de funcionários, nunca mais faltou medicamentos”.

E a mais importante é que sem gestão não é possível administrar uma Santa Casa. “Dinheiro é bem-vindo, as Santas Casas precisam sim, pois o SUS não se paga. Mas, ela precisa de gestão. A Santa Casa não pode fazer de graça. A pessoa tem que ser rigorosa. Se ela não tem alta complexidade em ortopedia, por exemplo, ela não pode fazer, pois fica muito caro para o hospital. E quem paga essa conta? Ou a Prefeitura paga se for SUS ou não faz”, detalhou.

Para Maria Edna, o grande erro cometido por muitos gestores é não tratar a Santa Casa como empresa. “Tem que saber o que é vantajoso e o que não é para ela. A Santa Casa não visa lucro, porém ela não pode ficar no vermelho. Ela é filantrópica, mas não é de caridade. Ela tem que impor os protocolos dela”, afirmou.

Maria Edna deixou a provedoria do hospital em 2012 com mais de R$ 1 milhão em caixa, com todos os equipamentos novos, todo reformado por dentro e por fora, com novas tecnologias, prontuário eletrônico do paciente e tudo com protocolo. “A gente fez muito mais do que imaginávamos”, comemorou.

E este trabalho desenvolvido no hospital fez, inclusive, que ela fosse eleita prefeita de Mococa, administrando a cidade de 2013 a 2016.

Questionada se estaria disposta a ajudar as Santas Casas da região, ela diz que sim. “Tenho isso em mente, de ajudar a região. Eu estudei, me capacitei e gosto. Não basta gostar, tem que saber o que faz. Mas, volto a dizer, milagre ninguém faz, se não tiver união não adianta”, considerou.

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